10 de set. de 2013



 
E me concentro para não roubar mentalmente um beijo de outra louca boca. Devaneio com as mais perturbadas, assaltar. Em meio a uma mão no cabelo-descabelado, de alguma dessas meio sem eixo, repasso em mim a cena. Puxar-pela-nuca-definitiva-e-mostrar-quem-manda. Algum clichê que dê tesão. E cheirar a pele. E sentir aquela penugem entre o pescoço e a orelha. E encontrar a maçã no escuro, na boca que imagino sempre doce. Invento essas vias tortas e úmidas. Tem a loucura. O gesto fálico. As bocas e os hálitos. Mas o dia seguinte é assim. Vazio. Uma cena nonsense sem continuação. Trilhas toscas que nunca me levam a lugar algum. O resto da história só existe contigo. Emaranhado nos meus dedos, os fios. Farejo o cheiro manso. E meu desalento nato, sob a sombra morna de teus cachos, queda tão lento, que passa. É no teu peito salpicado que eu encontro o amparo. Esses roubos toscos são como empréstimos para aposentados. Falsa felicidade curta. Nunca são verdadeiramente meus. É apenas por aquilo que você me deu que suplico. E procuro em todas as mulheres do mundo. Mas só em ti, cabelos de fogo,  é que encontro todas elas.
 

25 de jun. de 2013


À lupa procuro
algo que você excreta.
Um cheiro,
o suor das têmporas.
Mãos nos cabelos,
um olhar de esgueio.
Farejo sinais.
Mas de você
só alcanço o rastro.
Como te perco assim?

4 de jun. de 2013


ela foi
ela foi
ela foi
porque ela foi
eu senti a presença
só senti a presença
quando ela se foi
a saudade é sentir
a presença
a saudade é presente
é presente
é presente
e quando acaba
o presente
e quando acaba o presente?
e quando começa
o passado
e quando começa o passado?




Quando nada me fecunda, minha alma menstrua.

3 de jun. de 2013


Verifico que não passei por tudo impunemente, e olho
meu amor atônita, os braços imóveis cheios de
sangue. Deliro de lucidez, quero escrever
longas cartas delirantes, reatá-las com
os punhos rasgados, marcá-las a todos com
os polegares maciços e tesos.

Também desta retórica sinto raiva, mas é raiva
tristemente mansa, retardada dentro do trabalho.
Raiva presa no velho jogo e que me alimenta de
estilo. (escondendo a razão da ferida).

Quero esta retórica depois de mim,
me levando irrevogavelmente.
O que é exatamente que insiste em vir atrás?

Viver é esquisitíssimo.

EQUÍVOCOS

9 de mar. de 2013


Nesse negócio de sentir, serei sempre amadora. Nunca profissional.

4 de mar. de 2013


aquilo que não fez
e não sabe que não fez
na memória
as imagens
não podem ser esquecidas
nem ao menos lembradas
um cheiro
um som
um quase
mas nunca
pois todo gesto
que ousa agora
não realiza
e não apaga
tudo o que poderia ter sido
e não foi
e tudo o que resta é fado
saudade do que não viveu

8 de jan. de 2013

A ética do acontecimento

Dos encontros dos corpos emergem efeitos incorpóreos que são os acontecimentos. Os acontecimentos, por não serem corpóreos, não existem. Os corpos habitam o plano físico e os acontecimentos o extra-físico. Os corpos existem e os acontecimentos insistem. Toda ação física ou corpórea é inseparável de uma cadeia de ações. Os estóicos chamam essa cadeia causal das ações entre os corpos de destino. Concluíram que, sendo o destino regido apenas pela física dos corpos, não haveria liberdade de escolha. Assim sendo a ética não seria possível. Seu desafio era encontrar um modo de afirmar o destino e, ao mesmo tempo, salvar a liberdade individual de escolha. Resolveram esse problema concluindo que a ética não poderia se basear exclusivamente, nem na física dos corpos, nem na lógica dos acontecimentos. A ética estaria situada entre as duas (...) Os estóicos afirmam que podemos pensar o tempo de duas maneiras: a partir dos corpos e a partir dos acontecimentos. A física dos corpos estaria submetida à cronos, o tempo cronológico que mede o intervalo do movimento da ação de todos os corpos que existem. Enquanto tempo dos corpos ele é sempre presente. E só o presente existe. A partir dos acontecimentos o tempo não existe, insiste. Os acontecimentos estariam imersos no aion, o tempo ilimitado onde o passado e o futuro insistem. Nesse tempo todo acontecimento é, foi e será. Presente, passado e futuro acontecem ao mesmo tempo. Por exemplo: se estou amando, eu amo, já amei e vou amar. Tudo ao mesmo tempo. Todo acontecimento, que insiste, tem a forma do passado e do futuro, no momento em que acontece. É como se o tempo passado e o tempo futuro se encontrassem no instante, do mesmo modo que as linhas paralelas se encontram no infinito, para formar o tempo do presente eterno, desprovido de idade cronológica. Esse tempo, de idade eterna, seria a própria eternidade. Quando cronos e aion se encontram, qualquer banalidade pode se transformar em um grande acontecimento e qualquer acontecimento pode corresponder a eternidade de uma vida, porque é vivido num tempo ilimitado. É justamente nesse tempo que o amor é vivido como sendo eterno (...) Nada é mais imoral para um homem do que não ser dígno do que lhe acontece (...) Ser ético é afirmar os acontecimentos, sejam eles quais forem. E afirmar os acontecimentos não é aceitar passivamente nem negar o que acontece, mas sim querer alguma coisa no que acontece, tornando-se co-autor dos acontecimentos. Tornar-se ético, portanto, é aprender a ser criativo. É aprender a criar o que não existe. É aprender a captar o que insiste. Querer alguma coisa no que acontece é querer, a partir da finitude do presente que existe, o ilimitado do passado e do futuro que insiste. É querer retirar do presente finito, o ilimitado da eternidade.Esse movimento de passar do instante para o acontecimento como ilimitado os estóicos chamaram de contra-efetuação. Contra-efetuar é entrar no interior do acontecimento na medida em que ele estiver se efetuando. É captar do acontecimento a sua parte incorpórea: o passado e o futuro. E isso é o que significa devir. Devir é tornar-se. Se os corpos são tudo o que é substantivo e adjetivo, os acontecimentos são os verbos no infinitivo: amar, dançar, filosofar; ou no gerúndio: amando, dançando, filosofando (...) Devir é tudo o que é transitório. Querer alguma coisa no que acontece é querer o que há de transitório no acontecimento. Os verdadeiros amantes não fazem apenas o encontro com os corpos que existem. Fazem um encontro com o amor, que é transitório. Sendo transitório o amor não existe, insiste. Ser ético, portanto, é experimentar o amor fati e viver em devir. É aprender a perceber-se como causa ativa ou passiva de todos os efeitos que nos acontecem. É assumir inteira responsabilidade por nossa atividade ou passividade. É ser digno de tudo aquilo que acontece. Pois dignos ou indignos não são os acontecimentos. Dignos somos nós mesmos quando conseguimos extrair o que há de melhor em um acontecimento.
(Jadir Lessa)

6 de jan. de 2013


Escrever um filho, ter uma árvore e plantar um livro. Meu desejo é simples.