28 de jun. de 2011

Lembranças



Um dia desses um paciente me disse que uma de suas maiores surpresas não foi descobrir que poderia ser diferente, mas que a despeito de qualquer mudança o passado não se apagava. Mesmo na gaveta fechada lá de dentro ele retornava assim, num sonho, num flash de pensamento. Eu sempre me pego pensando nisso. Não sou uma saudosista, mas freqüentemente sou assaltada por alguma memória quase insignificante, daquelas que no momento vivido pareciam não ter importância alguma. Outras vezes vem a lembrança de algo que você nunca imaginou que seria lembrança, pois acreditava que aquilo sempre estaria com você, mas que pelo movimento da vida você acaba esquecendo ou simplesmente perde o sentido. Nas lembranças tudo isso se mistura. Há pessoas distantes que passaram por minha vida, mas que retornam em mim, e penso no que teria acontecido com elas. Como está a menina mais quieta da quarta série que só usava bermudas, mesmo no inverno? Será que ela floresceu? Será que foi fazer contabilidade? Será que teve filhos? Será que continua solitária? Será que ela também se lembra de mim como eu me lembro dela? Às vezes me sinto o cheiro do meu primeiro beijo, brincando de casinha. Cheiro bom de saliva de criança. Cheiro de infância. E o cheiro do Halls da adolescência? Lembro-me do piso vermelho queimado, bem perto do meu rosto, num tombo que levei da escada da casa onde nasci. Da primeira barata que vi, ainda bebê, e se tornou objeto de minha fobia. Da mão macia de meu avô. Uma pele tão fina com os dedos enrugados, longos e rosados (vovô tinha os dedos rosa shock!). Lembro-me dos pés da minha mãe, num chinelo Samoa azul, balançando ao som da rádio Itatiaia, e eu brincando embaixo da prancheta para ficar perto enquanto ela trabalhava. O olho azul doído, emoldurado em cílios queimados de uma estranha na rua (muitas vezes me pus a imaginar como ela os queimou. Será que ela tentou acendeu um cigarro no fogão?). Não esqueço a luz da rua aonde ia para ficar com os meninos, e o pé de amora que tinha lá. A primeira vez que andei de bicicleta sem rodinhas e meu pai me soltou (ali aprendi que quem te ama pode também te soltar ladeira abaixo...). A lembrança da primeira vez que uma amiga me feriu, dizendo que só ficava comigo no recreio para comer meu lanche, que eu era “chatinha” e que preferia as outras meninas. Algumas lembranças que você não gostaria de se lembrar, mas lembra. Lembranças singelas, de uma casa como as outras, de um beijo como os outros. Mas que permanecem em você por muito tempo. Ou para sempre naquela gavetinha que se abre vez ou outra enquanto caminha, escuta uma música ou abre a janela de manhã. Você muda, mas é sempre a mistura daquele olhar dolorido, daquela menina tímida, daquele cheiro doce. E tudo isso ainda te admira. Tudo isso é você.

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