28 de jan. de 2011

Ensaios

Novamente a havia procurado. No último encontro prometera a si mesma que não voltaria mais. Já fazia um tempo que seus encontros estavam difíceis. Ela sentava e falava. Falava muito. Precisava aproveitar cada minuto. Mas não sabia o que dizer. Sabe, ela tinha tanta coisa, mas tanta coisa pra dizer que. Na volta, carregava em si, buracos. Sim, buracos. Buracos enormes em seu corpo. Sentia-se vulnerável, frágil, esfolada. Como quando a gente era criança, e voltava pra casa com os joelhos sangrando perna abaixo, o vento batendo e gelando o machucado. Chorando, às vezes segurando o choro, com vergonha dos amigos, esperando chegar em casa e berrar no colo da mãe. Agora não. Agora não era mais assim. Não era mais criança chorona. Nem podia esperar pra chorar em casa, em qualquer canto escondido. Mamãe não passaria merthiolate. Os amigos não zombariam. Não precisava mais deles pra isso. Ela mesma poderia fazê-lo. Daí era assim. Solidão buraco corpo ardendo despelado ao vento esfolado o coração acelerado de medo e pavor do sangue quente pingando pelo caminho não tinha mais pra onde correr por que não era mais criança e adulto não fica chorando por aí por causa de um machucadinho à toa e mesmo se pudesse não choraria por que chorar é para os fracos e ela não é fraca ela é ........ quando chorava sentia-se uma atriz era de mentira não tinha vontade de chorar tá certo que tem aquele bolo solado no peito mas quem disse que angústia é choro a psicologia é um engodo ela não sabe nada é que nem ela que acha que sabe mas não sabe que. E a outra não a ajudaria. Dizia que ela não era fraca e essa era sua grande farsa. Vestia-se de margarida, com macacãozinho verde e aquela cabeça doce, o miolo era o rosto angelical, que piscava infantil, envolto pelas pétalas brancas, feitas de papel machê. Mas viver não era mais um palco. Papai e mamãe não estão na platéia aplaudindo aquelas babaquices ensaiadas para os pais. Mas a outra não entendia. Não entendia que ela era a margarida mais perfeita, nunca errava nenhum passo, e era aplaudida de pé, por todos os outros pais inclusive, que morriam de inveja daquela filha tão graciosa. A outra não entendia que ela nascera para o palco. Era tão boa nisso, que chegava a confundir as falas. Bem, já nem sabia mais quais eram suas. Sensações de estranhamento lhe assaltavam, e não entendia se por que a fala era sua, ou se por que de seu personagem. Como em Cem anos de Solidão, quando em certa altura a gente não sabe mais o que é fantasia, quem era Aureliano, Aureliano Arcadio, Aureliano Buendía. Afinal, quais eram seus personagens? Não saberia dizer. E essa outra vem e a arranca do palco, a arrasta pelo chão até a cochia e vai embora. Deixa ela no escuro, tateando o chão, escutando o espetáculo. Senta-se na primeira poltrona. E diz que o espetáculo foi m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o muito sensível mas poderia ter sido menos trágico talvez um pouco de riso. E ela lá atrás, esfolada, sem poder chorar. As meninas de hoje também não choram, têm que ser fortes. Já era o tempo das pin-ups, amizade. A onda é agüentar. Sangrar e sorrir. Mas, então, a outra vem e diz que não. Personagem também já era. A onda agora é expressão. Esburacar e sentir.

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